Pular para o conteúdo principal

Do Átrio ao Claustro: forma e simbologia do espaço chamado paraíso - Pe. Mateus Lopes


O termo átrio, do latim atrium, é de derivação etrusca. Nas casas romanas indicava o pátio interno que era parcialmente coberto. Se trata de um pátio quadripórtico de frente para o ingresso.

Nas basílicas paleocristãs se encontrava inserido na fachada da igreja, sendo mediado algumas vezes peloNartex. No centro deste pátio, geralmente, era colocada uma fonte, denominada cantharus.

cantharus recorda por sua vez o impluvium encontrado nas casas romanas; uma espécie de tanque retangular com o fundo plano que era usado para recolher água da chuva. 



Visão do átrio na Basílica Paleocristã

Como tudo o que é utilizado pela arte e arquitetura litúrgicas, não é por caso, uma vez que se trata sempre da manifestação de uma imagem, também o cantharus desenvolvia uma função na antiguidade que estava vinculada à Sagrada Liturgia, ou melhor, para a preparação na participação desta. Se trata do rito de ablução presente em muitas religiões, entre as quais se encontra o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.

No cristianismo antigo, havia o banho de catecúmenos na semana santa, antes do batismo, enquanto, na Idade Média, permaneceu o uso de lavar a cabeça no Domingo de Ramos e a lavagem das mãos no cantharus, antes de entrar na igreja. Atualmente, na liturgia católica, o rito da ablução permanece na aspersão dos fiéis com água benta, sobretudo, nos domingos após a Páscoa, como recordação do Banho batismal, que nos purifica dos pecados, e a lavagem das mãos do padre, antes de iniciar o rito de consagração dos dons do pão e do vinho, na celebração eucarística. 

Em Roma no átrio da Basílica de São Paulo fora dos muros, havia uma inscrição de São Leão Magno que avisava aos fiéis a sua função: “ablue fonte manus”. Simbolicamente, o cantharus invoca o vaso no qual, à semelhança das pombas que saciam sua sede, as almas dos fiéis tiram dele água e se regeneram.



                                                       Mausoléu de Galla Placidia- Ravenna (Sec. V) 


 Ocasionalmente, podemos encontrá-lo em grandes construções, por exemplo, em Roma, na Basílica de São Clemente, em Milão, na Basílica de Santo Ambrósio, entre outras.




Basílica de São Clemente em Roma




Basílica de Santo Ambrósio


Nos mosteiros, sobretudo, o átrio se tornou muito comum, sendo pouco a pouco reduzido à função de claustro. Neste sentido, sua função externa de acolher os peregrinos, como também o lugar do exercício da caridade, cede lugar no interno dos mosteiros, além de ser um local de passagem à convivência e recreação e, por vezes, lugar onde se colocavam as tumbas de benfeitores e membros da comunidade monástica.



Mosteiro de Pietra



Mosteiro dos Beneditinos: o Claustro dos Mármores


No que diz respeito à sua forma e simbologia, o átrio evoca a Cidade quadrada e universal, a Jerusalém Celeste (Ap 21, 2), cujo supremo construtor é Deus mesmo. De fato, a planta ad quadratum (Ap 21, 16) se relaciona ao princípio da arquitetura dos templos, a quadratura do círculo, onde os quatro ângulos se referem aos quatro elementos que compõem a terra, uma representação espiritualizada dos quatro reinos da natureza, ou seja, a integração simbólica das diversas criaturas no microcosmo, que no plano da liturgia cristã que assume e consagra no pão e no vinho, frutos da terra e do trabalho humano, toda a criação manifestando, deste modo, o macrocosmo, que se torna meio de comunhão com Deus e os irmãos. Deste modo, não é de se estranhar que o espaço interno do átrio, cultivado como jardim é também chamado de Paradisus.

É interessante notar que o átrio e, posteriormente, o seu desenvolvimento, o claustro sempre foram um local de passagem. Mas, de modo especial, o claustro, enquanto solução arquitetônica simples, que vincula todos os espaços e assegura a circulação entre os ambientes. Se tornando deste modo um lugar de encontros e de passagens que no afã das atividades do dia a dia passam despercebidas, uma vez que cada ambiente insere a pessoa em uma função, seja ela administrativa, recreativa, cultural ou simplesmente a do repouso. 

Todas elas contribuem para uma existência consciente, e todas encontram o seu máximo sentido na igreja ou capela, que, embora esteja descentrada do espaço, é o centro vital dos monges que ali habitavam. A capela desenvolve um papel de unificação e de coordenação dos vários edifícios por meio do claustro, este por sua simbologia ajuda a passar no que tange ao tempo, do cronos ao kairós, da dimensão meramente humana àquela da divina-humanidade de Cristo. 

É o que podemos perceber nas construções religiosas contemporâneas como o Convivium Emmaus, espaço formativo dos futuros presbíteros da Arquidiocese de Belo Horizonte, que contempla a arquitetura dos edifícios dos grandes centros urbanos, sem perder o vínculo com a tradição arquitetônica litúrgica do cristianismo. 

Pe. Mateus Lopes






Projeto do Complexo Convivium Emmaus


Detalhe da Fonte - Claustro Convivium Emmaus

 


Claustro do Convivium Emmaus – vista para a Capela








Bibliografia

 

Testini, P.  Archeologia Cristiana, Puglia, 1980.

 

Champeaux, G. Sterrck, SLe monde des Symboles Zodiaque, St. Léger Vauban, 1972.

 

Ghisu, C.  Atrio, 178-179 in Cassanelli, R. Guerriero, E. Dizionario san Paolo di Iconografia e Arte cristiana, vol I, Milano 2004.

 

Barral I Altet, XContro l’arte romanica? Saggio su un passato reiventato. Milano 2008.

 

Fotos

 

Foto 1 Pag 1 - La Basilica paleo cristiana: Pinterest

Foto 2 Pag 2 - Mausoléu de Galla Placidia:    https://www.ravennamosaici.it/gallery/?_gl=1*1o16vua*up*MQ..&gclid=CjwKCAjwjqWzBhAqEiwAQmtgT_dBFEyfiZXIiNIhquNNsdkMitcVmwJ5fY15i1mF92pA0KIUCnNbxoCkGMQAvD_BwE#iLightbox[gallery_image_1]/9

Foto 3 Pag 2 - Basílica de São Clemente em Roma: Pinterest

Foto 4 Pag 3 - Basílica de Santo Ambrósio em Milão: Pinterest

Foto 5 Pag 3 - Mosteiro de Pietra: Pinterest

Foto 6 Pag 4 - Mosteiro dos Beneditinos, o Claustro dos Mármores:  https://www.monasterodeibenedettini.it/en/contacts-and-info/

Foto 7 Pag 5 - Convivium Emmaushttps://radioamerica.arquidiocesebh.org.br/noticia/convivium-emaus-espaco-de-espiritualidade-saude-e-formacao-de-jovens-dedicados-ao-sacerdocio/

Fotos 8, 9, 10 Pag 5 - Convivium Emmaus: Seminarista Charlys Heverton

Fotos 11, 12 Pag 6 - Convivium Emmaus: Seminarista Charlys Heverton

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Monograma de Cristo

   Monograma de Cristo ou Chi Rho é uma combinação das letras do alfabeto grego que formam a abreviação do nome de Cristo. Seu uso é pré-cristão, mas os cristãos orientais começaram a usá-lo partir do século III como uso privado. Sua difusão foi a partir do Edito de Milão em 333, onde o Imperador Costantino permitiu que o culto cristão se tornasse público. SIMBOLOGIA : O Eterno simbolizado pelo círculo ⭕️ significa que Deus em Cristo entrou no tempo e no espaço, que aparece aqui através do quadrado 🔲 que representa os 4 cantos da terra. Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem se encontra no centro coroado pelo Pai com a coroa da vitória. Ele é o vencedor sobre a morte e o pecado, por isso recebe do Pai a coroa imperecível da Glória. Ele é o centro do mundo, somente por meio dele recebemos a vida. Unindo Céu e terra, eternidade e tempo concede a todos os seres humanos, de todos os tempos e lugares de participarem da sua Divina-humanidade e nele se tornarem verdade...

O Enigma das Rosáceas nas Catedrais Góticas: simbologia e espiritualidade

  Elemento tipicamente presente nas fachadas e transeptos das grandes Catedrais Góticas, as rosáceas mais que meros componentes decorativos, são uma verdadeira catequese simbólico-espiritual que nos inserem no mistério da Encarnação de Cristo. Ele assumindo a nossa natureza humana divinizou o Cosmos e a matéria de toda a Criação, mas sobretudo divinizou e santificou nossa humanidade, e nos deu a graça de nos tornarmos n’Ele verdadeiros filhos de Deus Pai. Este é o mistério presente nas rosáceas que encontramos nas fachadas das antigas catedrais e igrejas neogóticas espalhadas pelo mundo.    O estilo Gótico e sua belíssima arquitetura sucedeu o breve período românico, mas não perdeu a dimensão simbólico-teológica do período anterior, antes procurou manifestá-la com maior riqueza e consciência de seu próprio espaço [1] . Esta realidade, a percebemos através da utilização das imagens. No período românico as imagens, com formas essenciais e estáticas eram encont...

Ascensão do Senhor: Contemplando nos Céus a nossa natureza humana

Ascensione, metà del XIV sec., Galleria Tretjakov, Mosca 1.       História                Na Ascensão, diz São Romano o Melodista:  Depois de ter realizado a economia em nosso favor e unido a terra ao céu, tu te elevaste em glória, ó Cristo Deus, sem separar-te de nós, mas permanecendo sempre unido a nós e dizendo a todos quanto te amam: Eu estou convosco.                A festa da Ascensão pertence ao período da Páscoa e já era celebrada nos primeiros quatro ou cinco séculos da Igreja juntamente com a festa de Pentecostes. O que sabemos, chegou a nós, através do diário de viagem de uma peregrina chamada Egéria que se encontrava em Jerusalém, na década de oitenta do século IV. Em seu diário, ela conta detalhes desta festa celebrada no quadragésimo dia após a Páscoa, de forma estacionária, uma v...