Ao contemplarmos num primeiro momento o Ícone da Natividade (Nascimento de Jesus Cristo), nem de longe imaginamos que nele está presente todo o Mistério da nossa Redenção; o Nascimento, Morte e Ressurreição do Senhor. Infelizmente, não é possível aprofundarmos neste texto, toda a sua riqueza simbólica-teológica, por isso, evidenciaremos somente alguns elementos que nos permitem adentrar neste mistério de nossa fé.
Nesta perspectiva podemos falar da Estrela que guiou os magos até Jesus, nasantigas crenças, o curso da vida do homem era colocado sob a influência da estrela; mas agora é a estrela que se move porque é Cristo quem determina o curso da história. Ela é em si mesma, um raio de luz que se divide em três raios dirigidos para a criança, recordando a unidade e a trindade de Deus que se manifesta como luz.
Os três Magos são símbolos da humanidade em busca do Paraíso perdido, da ascensão da mente a Deus. Geralmente, nos ícones são representados subindo, imagem do
esforço humano que procura penetrar nos mistérios de Deus. Eles representam os homens fora da Antiga Aliança que o novo reino messiânico deve acolher. Cristo com o seu nascimento estende a primogenitura de Israel a todos os homens. Pois em Cristo não existe mais o muro de separação, todos n’Ele são chamados a serem um só Povo, filhos do mesmo Deus e Pai.
Deste modo, entendemos a presença dos Anjos em alguns ícones da Natividade, geralmente, dois olham para cima, porque Deus está acima; um à direita tem seu olhar voltado para os pastores, e diz a eles que é inútil se esforçar para escalar a montanha porque é o próprio Deus que desce. Não são nossos esforços humanos que nos alcançarão a santidade, mas sim a acolhida amorosa e sincera de Deus que vem nos encontrar e redimir.
Os Pastores são os representantes do povo escolhido, procurado por Deus que agora desce como o Bom pastor para reunir seu rebanho ao qual ele havia falado por séculos e de muitas maneiras (Hb 1, 1). Representa o povo da profecia de Isaías, que andou em trevas e viu grande luz (Is 9,1). Às os vezes o pastores tocam a flauta: antítese entre a música terrestre que não deixa espaço para a música celeste, como lemos na liturgia bizantina, na manhã da Vigília: silenciando o canto das flautas dos pastores, fala a hoste angélica e diz : Cesse sua vigília, você que lidera os rebanhos; aclamando, louvando: o Cristo Senhor nasceu, aquele que, como Deus, tem o prazer de salvar a humanidade.
O boi e jumento são figuras importantes nos ícones e presépios do Ocidente, deles escreveu Isaías "o boi conhece seu dono e o jumento a manjedoura do seu senhor, mas meu Povo Israel não entende" (Is 1,3). Do IV século em diante não existe representação da Natividade sem estes dois animais, pois eles também representam o reconhecimento do Senhorio de Jesus sobre os povos, o boi representa os hebreus e o jumento os gentios.O boi e jumento estão em atitude de contínua adoração à criança: juntamente com a adoração dos Magos encontram correspondência nas palavras de Jesus: "Em verdade vos digo que nem em Israel achei tão grande fé" (Mt 8,10-12).
A Mãe de Deus, a Virgem Maria: geralmente é representada deitada fora da caverna em uma cama vermelha (às vezes dourada) semelhante a uma amêndoa, que indica a santidade de sua figura. A posição é típica das mulheres parturientes: essa posição adquiriu valor simbólico, já que o resguardo da mãe após o parto indica a plena realidade da natureza humana de Jesus.
Maria é prefigurada como a escada de Jacó: era, para o patriarca, o lugar de união entre a terra e o céu, entre homem e Deus, sobre no qual os anjos subiam e desciam. Ela é a nova Eva: no paraíso a serpente ofereceu a Eva a falsa possibilidade de se tornar Deus; mas Maria a nova Eva se ofereceu para que Deus pudesse se tornar um homem.
Maria geralmente não olha para a criança, mas para o infinito, ela guarda e pensa em seu coração, o que aconteceu com ela. Sabemos que ela está refletindo pelo gesto "meditativo" que faz com a mão, o mesmo gesto, encontramos também em José ... O rosto de Maria expressa a consciência de ter dado à luz a uma "criança que não é totalmente sua". Ela enquanto Mãe do Senhor não pode reter para si a criança, mas coloca-a na manjedoura, já parece oferecé-lo como alimento para todos, prenunciando o gesto que o próprio Cristo vai fazer em seguida. Ele Nasceu em Bet-lemme (Belém) a Casa do Pão. Aqui vemos o primeiro anúncio da Eucaristia, a Páscoa do Senhor, como o pão é despedaçado para ser comido, se torna alimento que dá vida em plenitude ao homem.
As Mulheres na parte inferior, no fundo da nossa direita, preparam o banho para a criança; eles estão prontos para dar testemunho do nascimento virginal de Cristo[1]. Lavando a criança elas testificam que Jesus é o homem verdadeiro. Banhar um recém-nascido é um dos gestos evocativos da ação humana no momento do nascimento.
Existe, porém, um particular "curioso": a mulher que segura o bebê em seus braços tem aqui, como em vários outros ícones, a cabeça coberta de faixas semelhantes àquelas em que Jesus está enrolado. Esta mulher é Eva, pois do momento em que pecou foi marcada pela morte. Mas simbolicamente agora é ela quem recebe o Senhor em seus braços, como se a maternidade virginal de Maria-Nova Eva tivesse curado o útero do progenitor: "Ó Virgem Mãe de Deus que deu à luz ao Salvador, tu derrubaste a antiga maldição de Deus." Porque Maria se tornou a Mãe do Filho de Deus, trazendo em seu seio a Palavra de Deus encarnada”, agora, Eva pode novamente ser a mãe dos vivos. São Cirilo de Alexandria dizia: "A morte foi introduzida através do trabalho de uma virgem: Eva [...]. Ela ainda era virgem porque Adão a conheceu somente após a expulsão do Paraíso. Era conveniente então que a vida tivesse se originado novamente pelo trabalho de uma virgem, ou melhor, por uma virgem[2] ".
Cristo nasceu, vestiu-se de humanidade marcada pela morte: no banho que as mulheres fazem à criança também é possível ver uma relação sacramental com o batismo; a mesma banheira lembra a pia batismal. Lavar Cristo é como se fosse para Eva, e em toda a humanidade, receber um banho de purificação, um primeiro batismo que a dissolve dos grilhões do pecado.
Depois vemos a figura de José, duvidoso e tentado pelo diabo sob o disfarce do pastor, ele representa as eternas hesitações de todos nós. A tentação é confirmar os pensamentos da alma agitada de José, enquanto reflete sobre a paternidade do Menino. Nós não podemos entender o poder de Deus ou a grandeza do homem. A verdade de Jesus Cristo deve ser revelada a José pelo anjo. José é o homem diante do mistério: esta cena afirma a origem divina de Cristo. A liturgia da festa da Natividade confirma isso: "José, considerando a grandeza das maravilhas de Deus, pensou ter visto um homem simples neste Menino envolto em panos, mas pelos fatos ele entendeu que ele era o verdadeiro Deus, aquele que conduz todos os seres humanos à grande misericórdia de Deus".
No entanto, o Menino se encontra na caverna. Essa é um lugar escuro: a luz que apareceu ali deve ser recebida, mas também será rejeitada. Toda a composição indica que a paz celeste voltou. Este é o propósito da encarnação, como nos diz Santo Efrém da Síria: "Portanto, este dia é como o primeiro dia da criação: nesse dia as coisas criadas foram estabelecidas, neste dia a terra inteira foi renovada".
A caverna tem o formato de um túmulo, é o inferno que se abre como a boca de um monstro tenta engolir o menino, aqui existe uma relação explicita com o ícone da Anástases (Ressurreição do Senhor). O Menino, no entanto, é colocado em uma manjedoura de animais, que propositalmente tem a forma de um sepulcro, possui, portanto, um forte valor simbólico.
Quando o homem pecou se vestiu com peles de animais, e, como a besta continuamente vai à manjedoura para comer e assim sobreviver, do mesmo modo o homem vai viver em constante busca de sua autossalvação. O problema é que o homem preso ao seu pecado, atendendo o seu instinto de sobrevivência, cai continuamente na tentação de querer se tornar como Deus, ou seja, ter a vida por si mesmo, egoisticamente e não acolhendo-a como dom dado pelo Senhor.
Neste sentido, se Deus quer encontrar o homem, ele deve se colocar ali onde ele peca, aonde ele retorna continuamente à procura de vida; por essa razão, Cristo é colocado na manjedoura. Cristo é rebaixado ao nível onde o homem pode encontrá-lo, onde ele certamente retornará. Mas, como lemos em Romanos 5,12ss, a consequência do pecado é a morte, por isso mesmo o presépio é representado como um grande tumulo, para nos dizer que é na morte que o Senhor nos encontrou, é dela, do seu poder que Ele veio nos resgatar, trazendo para nós a sua Luz que é capaz de dissipar toda Treva.
Pe. Mateus Lopes
[1] Cf. Protovangelo di Giacomo: "A parteira exclamou: Hoje para mim é um grande dia, porque vi este novo milagre. Deixando a caverna, a parteira encontrou Salomé e disse-lhe: Salomé, Salomé, tenho de lhe contar uma nova maravilha: uma virgem deu a luz, e isso não afetou a sua natureza. E Salomé respondeu: Louvo o Senhor meu Deus: se eu não colocar o dedo e não examinar a natureza dela, não acreditarei que uma virgem tenha dado à luz. A parteira entrou e disse para Maria: Coloque-se bem. Na verdade, não há um leve contraste ao seu redor. Salomé colocou seu dedo em sua natureza e proferiu um grito dizendo: Ai da minha iniqüidade e da minha descrença, pois eu tentei o Deus vivo e agora minha mão está separada de mim, queimada. "
[2]Cfr. Anthologhion, Lodi della festa della Natività secondo la carne del Signore Dio e Salvatore Nostro Gesù Cristo.
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