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Pedras que evangelizam, Igrejas Românicas



     O estilo românico surgiu no início do século XI com o renascimento econômico da Europa, que possibilitou o desenvolvimento comercial e a expansão de muitas cidades. Neste período nas cidades e aldeias se construíram novas igrejas com arquitetura austera, sólida e elegante que se difundiram por toda a Europa cristã com algumas diferenças estilísticas locais[1].
    A arquitetura românica foi a primeira expressão artística depois da queda do Império Romano do Ocidente, ela expressou de modo orgânico uma unidade cultural com caraterísticas estilísticas que fizeram com que sua linguagem se tornasse internacional[2]. Totalmente permeada da espiritualidade cristã, não é de se estranhar que as catedrais românicas fossem o maior símbolo da Sociedade Medieval, monumento da comunidade urbana e expressão mais alta da coletividade. De fato, eram nas catedrais que o povo se reunia para rezar, mas também para tomar importantes decisões a respeito de problemas da cidade. 

Entrada e Timpano da Basílica de Santa Maria Madalena
Vézelay-França
     É necessário lembrar que a vida do homem medieval era constantemente, marcada pela impotência diante das catástrofes naturais, terremotos, epidemias, carestias entre outros. Neste sentido, a arte românica era inteiramente a serviço de Deus, as igrejas através das pinturas e esculturas informavam e formavam o povo. Não se tratava de uma arte decorativa, mas tudo o que ela continha era para desvelar a verdade da fé. 
    Os temas do Antigo e do Novo Testamento que eram colocados sobre os portais e capitéis das igrejas e catedrais, queriam ser além de edificantes para os fiéis, claros e eficazes na mensagem a ser transmitida. Nesta perspectiva as figuras representadas eram muito essencializadas, sem se deter sobre os detalhes que não eram necessários à comunicação. Seu único objetivo era comunicar às pessoas simples muitas vezes analfabetas, os preceitos religiosos, convidando-as a percorrer um caminho de fé, uma verdadeira Bíblia dos pobres, que todos compreendiam. 
    Embora em um primeiro olhar as esculturas românicas nos pareçam ingênuas por sua representação quase infantil devido à desproporção com que os corpos humanos são representados, na verdade constituem por sua essencialidade e força expressiva, um verdadeiro Evangelho de pedra imediatamente interpretado pelo povo sem equívocos.
   Uma das representações mais significativas da arte contida nos capitéis e portais que expressa a força simbólica-teológica-espiritual do estilo românico, a encontramos em um famoso capitel da Basílica de Santa Maria Madalena em Vézelay na França, conhecido como Moinho Místico.
Capitel da Basílica de Santa Maria Madalena
Vézelay-França
    Nele estão representados dois personagens: o primeiro trajando uma veste curta e um simples calçado, está derramando grãos em uma mó; o segundo, descalço e vestido com uma túnica maior recolhe a farinha. Muitas foram as intepretações dadas a este capitel, mas a mais popular diz que o primeiro personagem é Moisés que está derramando o grão da Antiga Aliança, ou seja, a Lei e todo o Antigo Testamento dentro de uma Mó. Passando pelo moinho, isto é, através da roda que é a Cruz de Cristo, o grão de trigo é esmagado e se abre, produzindo a pura flor do trigo, a farinha que o apostolo Paulo recolhe, a Nova Aliança.
   O Moinho nos mostra a profunda relação entre o Antigo e o Novo Testamentos que tem como centro Cristo que nos conduz ao coração do Mistério. Moisés por quem Israel recebeu a Lei e Paolo do qual a Igreja aprendeu a retirar o véu para contemplar o mistério de Cristo[3]. Além disso, o capitel nos ajuda a mergulhar na liturgia, recorda-nos da Mesa da Palavra, a Palavra lançada no Moinho, se torna a farinha que nos dá o pão que bendizemos, fruto da terra e do trabalho humano e que por ação do Espírito Santo se torna o Corpo de Cristo, o Pão da Vida. O Pão vivo que comungado, comido nos alimenta para que também nós, homens e mulheres de fé, recebendo d’Ele a Vida, nos tornemos Vida para o mundo. 
    O movimento do moinho que à primeira vista pode parecer banal, nos indica na verdade que a vida física ligada à roda do tempo, quando se encontra Cristo pelo Batismo, se torna plena de significado, entra com Ele na sua Páscoa. Do mesmo modo o grão de trigo esmagado, passando pela morte gera para nós o nutrimento espiritual, da Vida Nova que recebemos de Cristo. O estilo românico embora tenha durado até o início do século XIII, nos deixou inúmeras obras, verdadeiras Bíblias de pedra que testemunham que a arte sacra a partir da essencialidade e beleza pode nos levar a experiência Deus.  

Pe. Mateus Lopes


[1]Cf. Rivista Atlas, 2.
[2]Cf. L’arte romanica, 359.
[3]Cf. POFFET, Jean M. I cristiani e la Bibbia, Per una storia d’Occidente, Chiesa e società, 51.

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