Partindo da visão da Igreja indivisa Tillard, nos oferece uma visão sacramental em que a vida cristã é uma vida de Igreja, ou seja, uma comunhão eclesial. Todas as dimensões relativas à vida dos fiéis estão dentro dessa dinâmica da vida eclesial vivida como uma comunhão constitutiva da identidade cristã, e é explicada teologicamente em referência à Eucaristia.
Neste sentido, a Eucaristia não é apenas uma fonte de graça que eu, como indivíduo, me aproximo quando estou com sede, mas é um evento sacramental onde a Igreja que está em um determinado lugar, manifesta a sua natureza de reunir a diversidade humana em Cristo que a reconcilia com o Pai e com si mesma.
Para viver a vida cristã como comunhão, é preciso deixar-se possuir por Cristo. Mas o relacionamento com Cristo é inseparável do relacionamento com os outros. Portanto, é precisamente um gesto de comunhão e não de fusão, porque no coração deste processo, que é um processo de salvação, encontra-se a liberdade.
Assim, a vida em Cristo somente é possível através da ação do Espírito Santo. O Espírito que habita Cristo é o mesmo que habita os crentes por causa do batismo. É o Espírito Santo que nos insere na comunhão dos filhos, que nos reúne em Cristo como filhos no Filho. Neste sentido, ser salvo significa estar em Cristo e sob a influência do Espírito Santo, que concatena na unidade de um corpo aqueles que acolhem o evangelho e constituem a Igreja.
Portanto, pertencer à fraternidade do corpo eclesial é parte integrante da nova situação criada para a salvação. Quem está em Cristo e no Espírito, nunca está em um relacionamento solitário com Deus, a vida em Cristo implica estar associado aos outros que são membros de seu Corpo. Assim, vivemos uma unidade radical que não é a soma de indivíduos, mas a comunhão das diferenças. E isso, enriquece e comunica essa comunhão. E, como a vida em Cristo não é um bem pessoal, o crente que entra na comunhão mística com Deus sempre o faz como membro do corpo de Cristo.
Posto isso, é preciso dizer que existe uma ligação entre Eucaristia e fraternidade. Este vínculo é reconhecido por todos desde as origens das primeiras comunidades cristãs. Ele nasce no húmus bíblico. A última ceia celebrada em torno de Jesus pelo grupo dos apóstolos foi uma refeição fraterna. O rito da fração do pão, foi usado para expressar que ao redor daquela mesa foi selada uma comunidade, a condivisão do cálice, a consciência de uma comunhão profunda em um mesmo destino. Mas a comunidade cristã tentará mostrar que neste único pão distribuído e neste único cálice, são por sua vez uma multidão reunida na unidade, de modo que cada Eucaristia é um mistério de comunhão também nos elementos com que é celebrada. É uma comunhão que instaura comunhão. Assim, existe um elo entre Eucaristia e unidade.
Cipriano, no século III, fala sobre este nexo através do simbolismo da água e do vinho, somado aquele do pão feito com muitos grãos de trigo e água. A água misturada com vinho no cálice do Senhor é o povo que se une a Cristo. Quando o cálice do Senhor é consagrado, não se pode oferecer apenas água ou apenas vinho. Se apenas o vinho é oferecido, o sangue de Cristo está presente, mas sem nós; se houver apenas água, o povo é presente, mas sem Cristo. Mas quando os dois estão misturados e se tornam uma coisa só, então o mistério celestial e espiritual é realizado.
Agostinho também fala de maneira explícita e profunda sobre o elo entre Eucaristia e Igreja. Ele afirma que o pão e o vinho que são consagrados sobre altar, através dos quais o Senhor quis confiar seu Corpo e seu Sangue a nós para a remissão dos pecados; Se nós o recebermos bem, nos tornamos naquilo que recebemos, como diz o apóstolo Paulo: "Como há um só pão, embora sendo muitos, formamos um só corpo". Isto é recomendado para nós, pois devemos amar a unidade. Essa realidade ele chama de sacramenta, porque nela vemos uma realidade e nos referimos e entendemos uma outra. Nós somos o que vemos e recebemos o que somos.
Para Agostinho, não é possível separar o Corpo sacramental que está na mesa eucarística, o corpo místico e o corpo eclesial de Cristo (cabeça e membros). O pão eucarístico é o corpo de Cristo. Através do batismo, os cristãos tornaram-se membros do corpo de Cristo, eles são verdadeiramente este pão, eles recebem o que são. O sacramento, precisamente porque traz o corpo e o sangue para o mysterio, é portador da graça objetiva da comunhão, que é a unidade.
Portanto, para Agostinho o coração do diálogo entre Eucaristia e Igreja é ser envolvido no sacramento do corpo do Senhor. É neste ponto que a Igreja se torna lugar do Ágape de Deus, um corpo de comunhão onde tudo aquilo que é vivido pelos fiéis é vivido em Cristo; alegrias, dores, esperança, caridade, se tornam aquelas de Cristo porque o seu Corpo é corpo de comunhão. Viver esta comunhão fraterna é viver a identidade Cristã.
Por isso, o Concílio Vaticano II quando fala sobre eclesiologia de comunhão, na verdade procura intercalar os fios com o passado, com a visão que prevalece “na Igreja indivisa”. O Concílio exprime que nesta unidade existe uma ordem, na qual, a dimensão espiritual, interior tem o primado. O Ocidente dos primeiros séculos não considerava a Igreja antes de tudo como uma estrutura hierárquica, mas a colocava em relação com o serviço da comunhão que expressava a sua natureza.
Em Antioquia quem exprime este nexo entre Eucaristia e Igreja é João Crisóstomo, bispo de Constantinopla. Ele afirmava que a Eucaristia realiza uma união estreita na qual, os crentes se tornavam um todo uno, uma coisa só. Mas o seu contributo pessoal sobre esse argumento é a sua afirmação que o sacramento mostra que a comunhão com Cristo anula toda distinção de raça, de dignidade, e status social. Em Cristo todos se equivalem, porque na fonte do batismo e na mesa eucarística não existem mais hierarquias, preferências.
Portanto, no interno de tal igualdade existem vários níveis. Justamente, pelo motivo daquilo que se realiza na Eucaristia, a Igreja há uma preferência pelos os mais pobres e miseráveis. No memorial eucarístico, Cristo é ao mesmo tempo vítima e altar. Sobre o altar se celebra o sacrifício. O único altar da cruz é refletido de um certo modo na Igreja peregrina. Em dois altares entre eles estreitamente coligados, onde um é o sacramento do outro. Existe um altar de pedra e existe o corpo eclesial de Cristo, constituído dos seus próprios membros. O primeiro é santificado pelo contato com o corpo de Cristo, o outro é constituído pelas vítimas, que são o próprio corpo de Cristo.
Para Crisóstomo a união com cristo operada pela comunhão eucarística se torna sem fruto se não se concretiza na atenção aos pobres e não se traduz em passos concretos que exprimam a igualdade diante de Deus que é manifestada na mesa do Senhor.
Também Cirilo de Alexandria fala desta união entre Eucaristia e Igreja. Ele fala que nos somos partícipes do espírito, somos unidos ao Salvador de todos e uns com os outros. Por isso, somos concorporios, pois que existe um só pão e todos nós nos tornamos um só corpo.
Para ele esta união é física no sentido que a natureza humana recebida do primeiro Adão vem então englobada naquela do segundo Adão. A união, ocorre, não somente no momento da sinassi quando recebemos o corpo de Cristo, mas em vista do Espírito, esta energia permanece também depois da sinassi. Portanto, a comunhão eucarística deixa na carne daquele que crê as marcas da carne de Cristo.
Depois disso, podemos afirmar que existe um verdadeiro nexo ou vínculo entre Eucaristia e Igreja. E este se torna visível quando os cristãos conscientes da sua identidade comunial são capazes de oferecer a realidade concreta de suas vidas ao Senhor, para que tudo seja transformado naquele novo modo de vida, aquele da nova criação que nos é dado na Eucaristia. Somente assim, podemos ver a carne da Igreja como tecido de relações, uma comunhão de vida da humanidade reconciliada com o Pai e com consigo em Cristo.
Pe. Mateus Lopes
* Síntese do livro: Carne della Chiesa, carne di Cristo, Jean-Marie R. Tillard.
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